Olá Pessoal! Como nosso colega David adiantou, estou postando um simples texto que redigi há alguns anos. Espero que apreciem e espero comentários favoráveis ou não. Afinal ser livre é o maior bem que Deus nos dá. Este texto pode ser encontrado também no meu cantinho
Abraços poéticos para todos!!
Elaine Carvalho
Era um sábado de sol quente e seco, mas azul e amarelo. Sai do serviço as12 horas e estava sem comer desde as 8 horas da manhã. Com o estômago já batendo nas costas, reclamando que só; e eu que nem uma bolachinha e nem dinheiro para um lanche tinha. Era aquele sentimento de “quero chegar em casa logo”. São nesses momentos de contato maior com o avesso que os sentidos afloram: o paladar e o olfato. Eu há quilômetros de distância da casa de minha avó já sentia o cheiro da comida e até subia uma saliva quente com sabor de arroz e feijão fresquinho que preenchia a minha boca e enganava o meu aparelho digestivo. Tudo, nessa hora, parece maravilhoso e muito saboroso. E nesses momentos, parece que para pirraçar, aparecem pessoas comendo, crianças mastigando então outro sentido desperta: a audição - mesmo a pessoa distante parece que você está lá, junto, bem na boca, escutando rasgar, trincar, bater, revirar pra lá e pra cá o alimento que o outro põe barriga abaixo, e não adianta tampar os ouvidos ou direcionar sua atenção a outro assunto. O ouvido assume uma posição tão tirana que ele te domina. E como o tempo é cruel.
Quando cheguei na casa de minha avó, a felicidade esperava-me, quieta, e eu também. Todos da minha família estavam lá: tio, tia, primo, prima, mãe, pai, irmãos, os netos e bisnetos, enfim era aquela coisa. Aniversário da vovó, 80 anos. Preparam uma festinha, afinal não é qualquer um que chega a essa idade. Estavam, ali na sala, aguardando minha chegada – exigências de minha vó –, a neta mais velha. Senti-me lisonjeada pela espera.
Mesas postas, pratos arrumados e comida preparadinha. Depois dos cumprimentos propus que almoçássemos e todos se dirigiram a mesa - não houve rejeição a minha proposta, já passava das 14h, pressenti que não era só o meu estômago que reclamava naquele momento.
Quando todos já estavam sentados, olhei e vi minha avó, seu rosto reluzia uma luz que me tocou. Ela nem preocupava em se servir, seu olhar voava por cada integrante daquela mesa: a felicidade alimentava-lhe. Seu sorriso enchia-lhe e ela seguia um ritual de passos entre a sala e a cozinha. Ela trazia as tigelas, panelas enfim era ela a responsável junto com minha mãe de preencher aquela mesa. Eu não poderia reclamar, havia comida em quantidade e qualidade - e tem coisa melhor que comida de mãe só a comida de avó. Terminado o ritual, aniversariante e filha sentaram-se e completaram a mesa. Pronto. Iria eu, enfim, alimentar meu pobre e faminto aparelho digestivo. Quisera eu... Nomearam-me, sem consulta prévia ou autorização, em plena mesa. Nomearam-me para um discurso em prol da aniversariante – eu que naquele momento e pelo menos nas cinco horas antecedentes, só pensava em única coisa: comer. Não era má vontade, mas eu não conseguia organizar palavras que fizessem o momento daquele instante ao qual minha avó merecia. Fiquei muda com minha nomeação instantânea. Meu primo, percebendo, interveio e com um sorriso no canto esquerdo da boca iniciou o discurso. Declamou um belo volume de palavras que fizeram minha avó encher os olhos de lágrimas. E que lindo ver a velhinha emocionada. Era pouco aquele almoço ante a toda uma vida de trabalho, privações e luta. Era pouco, mas fora preparado com todo o coração e alma.
Acabado os trâmites discursivos, iniciou-se deveras o almoço. Preenchi meu prato da maneira mais pacifica e igual. Fiz uma divisão imparcial, porém diversificada - ante a diversidade de pratos e comidas soube apreciar cada qual a seu tempo. Ouvia, ainda, alguns comentários. Meu olhar pairava ante as falações, mas não me prendiam. Eram bolhas que logo estouravam no ar. O almoço percorria nas condições mais favoráveis. O som era ameno até um gesto de minha avó direcionado a mim. ”Filha não vai comer da salada de alface e tomate que eu fiz?”. E a indagação foi feita e a tigela de salada nas mãos de minha avó. Eu tinha de provar. Com essa indagação e o gesto dela, eu tinha de provar. Era mais que uma sugestão. Minha avó era daquelas que achava uma solução para os problemas da vida na comida: tudo se resolvia com um bom prato de comida. Passara fome no sertão da Bahia. Ouvi várias histórias dos tempos de sua infância e adolescência em meio à fome e a falta de água, talvez por isso, priorizava a comida: podia faltar tudo menos o que comer.
Sem pensar aceitei a tigela com salada e umas três porções confluíram até meu prato. Minha avó olhava-me esperando eu saborear a salada. Enlacei uma porção no garfo e direcionei à minha boca sem nem olhar. Mastiga dali e trinca de lá. Senti o tomate frio sem cascas e a alface lisa cortada. Iam e vinham num vai e vem, até meus olhos encontrarem o de minha avó. Era o momento esperado, mas eu não esperava por aquilo. Meu Deus socorra-me! Ali, ante a mãe da minha mãe, mas fora ela a culpada. A vida desgastara-se naquele momento. Eu não enxergava ninguém, nem a mim mesma. Por uns dez segundos ou mais não vi nada e nem pensei em nada. Que terrível. Na minha vida minúscula e fresca, como alguns podem imaginar, duas coisas causavam-me um sentimento repugnante: ver uma barata e comer cebola crua. Desta vez foi ela, a cebola. Foi na sexta mastigada e bem na mira. Eu não sabia o que fazer. Não era um pedacinho pequeno era uma tira densa e corpulenta de cebola branca mesclando verde na minha boca. Eu parei. Em segundos, minha visão, momentaneamente, dissipou. Meu pensamento era o reconhecimento da cebola, seu gosto ardendo como a verdade em minha boca. Era verdade! Sim. Ela já fazia parte de mim e ardia e queimava, até aquele momento. Seu suco cortante já havia percorrido minha garganta, e sim, a cebola já fazia parte de mim. A minha mandíbula parou ao detectar aquele pedaço. Eu não engolia, não mastigava, nem se quer um movimento torto em minha boca conseguia prosseguir. Passado alguns segundos de minha comoção, ainda, vencida, eu permanecia sem reação e a cebola, ali, estacionada feito um caminhão grande parado que ocupa uma rua inteira. Entre os meus dentes, língua e todo meu conjunto bucal, a cebola. Ela permaneceu isolada, imóvel até o meu primeiro movimento. Consegui levantar a cabeça e recebi uma bofetada. O olhar de minha avó era uma bofetada junto com suas palavras:
– Está boa a salada filha?
Eu, com toda certeza do mundo, esperava por aquelas palavras, porém naquele momento juro nunca ter desejado escutá-las.
Se fosse em uma outra ocasião, eu diria a minha avó:
- Vó estaria perfeita se não tivesse cebolas.
Naquela circunstância o olhar de minha avó não me deixara ser tão sincera. Diversas vezes, recebi criticas pela minha sinceridade. Então a presumível resposta veio junto com a cebola a baixo, e que instante infindável. Eu engoli a cebola e junto a minha sinceridade, no entanto, seria capaz de até matar uma barata, coisa inimaginável, insuportável, repugnante para mim - para a felicidade de minha avó ser infinita - porque então não engolir uma cebola? Engoli-a, sem sequer tocar minha garganta ela desceu.
Disse a aniversariante mais feliz “Está ótima sua salada vó! Muito boa. Parabéns!”. Essas palavras valeram por uma eternidade. Ganhei um sorriso doce e branco igual a paz reluzente nos olhos dela. O sorriso quase até adocicou minha boca e amenizou o gosto da cebola, o que eu não esperava, quando já pensava ter feito meu papel foi minha avó inserir mais salada sem minha permissão em meu prato. Olhei e agradeci-a. Fiquei atenta e sem ninguém perceber deslocava as grandes tiras de cebolas para o guardanapo de papel. Assim fiz feliz minha avó e a mim mesma.
Parabéns Elaine, você me fez analisar a impportância de reuniões familiares desse tipo e o valor do bom senso. Pra quê reclamar da Cebola, a verdade é que a felicidade de uma pessoa tão importante em nossas vidas NÃO TEM PREÇO!!!!! Abraço, sucesso e muito obrigado por ajudar nosso Blog!
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ResponderExcluirBetho "Sabbath" Henrick disse...
ResponderExcluirSeja bem vinda Elaine, nada mais sincero que o AMOR, seu relato não vale apenas para familiares ou conhecidos, que seja estendido a todos que cruzam nosso caminho no dia a dia... Todos com seus medos e gostos, todos também esperando um pouco de ternura num olhar oposto... Felicidades e sucesso!!!